quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Jorge Luis Borges

REMORSO POR QUALQUER MORTE

Livre da memória e da esperança,

ilimitado, abstrato, quase futuro,

o morto não é um morto: é a morte.

Como o Deus dos místicos,

de Quem devem negar-se todos os predicados,

o morto ubiquamente alheio

não é senão a perdição e ausência do mundo.

Tudo dele roubamos,

não lhe deixamos nem uma cor nem uma sílaba:

aqui está o pátio que já não compartilham seus olhos,

ali a calçada onde sua esperança espreitava.

Até o que pensamos poderia estar pensando ele também;

repartimos como ladrões

o caudal das noites e dos dias.

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