sexta-feira, 31 de julho de 2009

Morfina para aguentar a dor do tédio...

Estou com o braço quebrado e sem o mínimo saco para escrever com apenas uma mão. Então vai um texto catado da internet mesmo e foda-se.

Morphine - “The Night”
Por Eduardo Palandi

Dia 3 de julho completou-se dez anos da morte do líder do Morphine, o baixista e vocalista Mark Sandman. Não conhecia a banda à época, apesar de lembrar vividamente de seu obituário na “Showbizz”, e até hoje conheço sua trajetória pela metade. É estranho falar de algo que só se conhece pela metade. Bem estranho. Ainda faltam coisas na minha relação com o Morphine: tirando por algumas músicas mais famosas, nada conheço dos discos da banda. Mas com o último deles, “The Night”, a coisa muda: sei cada acorde dele, vejo cada imagem que as letras das músicas me projetam, tenho até teorias sobre algumas de suas músicas, como você vai ver abaixo.

Sandman não viu o lançamento do disco: o trabalho foi finalizado poucas semanas antes de seu falecimento, e lançado em 2000. Comprei a minha cópia na também finada Nuvem Nove, loja de CDs no Itaim Bibi (São Paulo) que teve grande importância na minha vida e também na do proprietário desta página. E, apesar dos dois óbitos, “The Night” é um dos discos da minha vida. Ele começa com a faixa-título, uma declaração de amor daquelas que morreram com o século XX. Ela é a possibilidade, é tudo que ele não consegue ver, e só lhe resta esperar que ela o esteja aguardando. O sax está diferente dos discos anteriores, mais tranquilo. Em “So Many Ways”, logo depois, uma história cruza a minha cabeça: essa música me dá a impressão de que o narrador não é Mark Sandman, mas… Ferris Büeller. É, aquele mesmo do “Curtindo a Vida Adoidado”, mas uns vinte anos depois, já quarentão e separado da namoradinha do colégio, Sloane (com quem se casou, nessa história imaginária) e tentando voltar a aprontar como naquela tarde em Chicago.

A cada vez que o cantor do Morphine convida para a dança (”shake it!”, pede), imagino Ferris querendo fazer alguma gatinha dançar, o mesmo acontecendo a cada “hey, what about this?”. Não sei de onde tirei isso, mas tenho essa imagem bem vívida na minha cabeça. Em “Souvenir” ela desaparece, com Mark Sandman falando à garota que se lembra de tê-la encontrado, que os dois estavam mal, que ela lhe deu um ânimo… mas que não lembra o nome dela. E o esquecimento, diz ele, é como ter deixado um souvenir cair no chão. Há um belo solo de sax no terceiro minuto, bem livre e lírico, que abre caminho para a suingada “Top floor, bottom buzzer”, cheia de gritinhos e de backing vocals femininos. Ferris Büeller parece voltar nessa música, em que o protagonista é convidado para uma festinha cheia de gatas. Não sei você, mas eu consigo imaginar o Matthew Broderick narrando a cena da letra:

Priscilla’s in the kitchen, she’s mixing drinks
She’s mixing one for me, I think
And one for Mary Ellen and one for Jane
Priscilla, she knows how to use a shaker
She doesn’t get up as early as a baker, uh huh


There’s a muchacha teaching me to mambo
There’s my buddy Pete eying a bowl of combos
Ramona and a man do a tango dip
Cheek to cheek, hip to hip, come on


No final da festa ainda rola um Al Green, diz o narrador, e a canção acaba, sem que saibamos se Ferris terminou a noite acompanhado, mas Sandman parece ter se entendido com uma garota, que tem até nome: Martha Lee. Em “Like a Mirror”, a voz dele a dela vão duelando até que, apaixonado, ele pede: “deixe seu mundo e junte-se a mim logo (…) eu conheço um navio que parte logo, nessa tarde, na verdade: não esqueça seu paraquedas, eu estarei lá para te pegar”. Tudo isso com uma batida sincopada e um sax estilo Al Green, como na saída da festa.

“A Good Woman Is Hard To Find” parodia no título um conto de Flannery O’Connor, mas os serial killers do texto da americana dão lugar a “uma mulher dos diabos, de uma cidade dos diabos” que brinca com Sandman como se ele fosse um tamborim e o levou até a igreja, onde rezou até doer. Ele fica pensando o dia todo: será que dá para se achar uma boa mulher? (nota do autor: Mark, eu continuo tentando).

Na minha cabeça, essa é a ressaca que Ferris está sentindo depois da festinha narrada em “Top Floor, Bottom Buzzer”. Será que ele vai ligar para Sloane? Mas Ferris desaparece depois de “A Good Woman Is Hard To Find”, deixando minha cabeça livre para ouvir “Rope on Fire”, cujos violoncelos e bandolins pronunciados adicionam uma sensualidade única. Em “I’m Yours, You’re Mine”, o cantor do Morphine fala sobre fazer de tudo para limpar o caminho e ficar junto com seu amor: vai remar o barco através do lago, partir galhos com as mãos, tirar as minas terrestres da trilha. Romântico? Pode ser, mas parece que a forma como os dois se conheceram não foi tanto assim, como ele admite a seguir, em “The Way We Met”.

“Não há história bonitinha que contamos juntos, rindo e completando as frases um do outro”, foi tudo por acidente, como com todo mundo. Mas Sandman constata que, a despeito disso, deu certo: os dois acordaram na cama, fizeram dos gritos um despertador, fecharam as portas e janelas encostando as cadeiras e ficaram juntos, tentando se aquecer. Ou seja: foi romântico sim… mas não do jeito convencional.

A décima música, “Slow Numbers”, é um convite aos amassos: na letra, ele vai brincando com o fato de que nenhum número lhe significa grande coisa, ao mesmo tempo em que o baixo, o sax e a bateria vão desacelerando e criando o clima. “On the elevator, no thirteen floor, goin’up, goin’up, goin’up”, ele chama, enquanto sacaneia os números de zero a nove por estarem sozinhos. E em “Take Me With You”, a derradeira declaração de Mark Sandman, convidando seu amor a sair de uma cidade que não lhe dava nada – e a levá-lo junto: “você quer queimar pontes? / eu te ajudo a abrir fogo / você quer desaparecer? / tenho o manual bem aqui”. E termina o disco pedindo para ela levá-lo consigo, pois não consegue viver sem ela.

Só fui ouvir “The Night” um ano depois que o comprei, quando o levei para escutar no carro. Desde então, ele não saiu mais de lá: é meu fiel companheiro das madrugadas, é o amigo bêbado que me escuta e que, ao invés de querer que eu vá logo dormir, me serve onze doses de poesia, sob a forma de suas onze canções. E é daqueles discos de fazer chorar, por dois motivos: primeiro, por sua beleza ímpar; segundo, pela lembrança de que Mark Sandman não teve tempo de desfrutá-lo. Nessas horas, soa ainda mais incrível recordar que o líder do Morphine nos deixou no palco. No país mais romântico do mundo, a Itália. Fulminado por um ataque cardíaco. Talvez ouvir “The Night” faça mais sentido com um estetoscópio do que com fones de ouvido…

Ah, e depois tem um ao vivo em Detroide que é fodaço. Confira!

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Um comentário:

Kalunga disse...

esta banda era muito foda e acabou antes da hora. baixei tudo o que me faltava deles, valeu1